Mobilizadores e Mobilizadoras Regionais do Coletivo da Castanha se Reúnem em Brasília para o II Módulo do Formar Mobilizadores Regionais

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Ao longo de seis dias, os mobilizadores e mobilizadoras regionais participaram de debates e atividades práticas para fortalecer suas habilidades de incidência política e representar as demandas das regiões castanheiras para o Estado brasileiro.

Entre os dias 5 e 10 de setembro, o OCA reuniu em Brasília 26 mobilizadoras e mobilizadores regionais do Coletivo da Castanha para o II Módulo do Formar Castanha Mobilizadores Regionais, com foco em Políticas Públicas e Incidência Política. A atividade, promovida em parceria com o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), foi baseada na metodologia do FORMAR e moderada pela Secretaria Executiva do OCA, composta por Fernanda Alvarenga, Julianna Marocollo, André Machado, André Tomasi e Thiago Soares Araújo. Fernanda e André Tomasi conduziram a facilitação do encontro, enquanto Thiago apoiou na comunicação e integração das atividades, garantindo a dinâmica do grupo ao longo da formação. 


Na primeira parte do encontro, os mobilizadores revisitaram as principais lições do primeiro módulo, que focou nas Cadeias Produtivas. Fernanda Alvarenga e André Tomasi conduziram essa reflexão inicial, conectando o aprendizado anterior com os desafios atuais, preparando o grupo para o tema central do segundo módulo: Políticas Públicas e Incidência Política. A partir daí, os mobilizadores foram introduzidos ao novo enfoque, que buscou aprofundar o entendimento sobre a articulação política, organização comunitária e o uso da incidência política como uma ferramenta importante para garantia de direitos.


 Thiago Soares facilitou a dinâmica "Teia da Castanha", na qual os mobilizadores se apresentaram e compartilharam um desafio de seus territórios. Usando um novelo de barbante, os participantes formaram uma rede simbólica que representava a interconexão entre as regiões castanheiras. A atividade reforçou a ideia de que a força do Coletivo da Castanha depende da colaboração e do compromisso de todos, destacando a importância da união para enfrentar os desafios em suas comunidades.


Ainda pela manhã, Pedro Guimarães e Henrique, Weiss do Terra Krya, responsáveis pelo desenvolvimento do Sistema de Informações Econômicas e Ecológicas da Castanha (IÊ Castanha), em parceria com o OCA e o Coletivo da Castanha, apresentaram as mais recentes atualizações do sistema. Agora, a ferramenta digital conta com uma função de coleta de dados ecológicos, permitindo o registro de informações como o início das chuvas, pico da floração e expectativa de safra. Esta atualização foi inserida como o objetivo concentrar mais dados para facilitar o planejamento das colheitas e as negociações de contratos por parte dos usuários do sistema. 




Dia 1: Estrutura Política e Formação dos Mobilizadores


A programação da tarde do primeiro dia foi dedicada a uma oficina sobre Democracia, Estado x Governo, Política x Políticos, com reflexões sobre os impactos dessas estruturas sobre as populações extrativistas. Os mobilizadores participaram de discussões que detalharam o conceito de orçamento público, com foco em como os recursos são divididos entre despesas obrigatórias (como saúde, educação, funcionários e previdência) e discricionárias (destinadas a investimentos em áreas como infraestrutura e desenvolvimento regional). Danilo Moraes, advogado e cientista político, ressaltou que a disputa por verbas discricionárias é acirrada, sendo muitas vezes dominada por grupos organizados e influentes. Danilo utilizou uma analogia comparando o estado a uma pizza para explicar a situação: 


 "Pensem no estado como uma estrutura de uma pizza. Dos 10 pedaços desta pizza, 9 vão para manter essa estrutura: pagar funcionários, manter serviços públicos básicos como hospitais e escolas. Apenas uma pequena fatia é disputada pelas diferentes áreas para investimentos discricionários", explicou Danilo. Ele destacou que, para garantir a alocação de recursos, as comunidades extrativistas precisam se organizar politicamente e participar ativamente das discussões orçamentárias para garantir um pequeno pedaço da última fatia do orçamento.


Rayanne Sales, cientista política e coordenadora de gabinete da Secretaria de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades de Matriz Africana, Terreiros e Ciganos do Ministério da Igualdade Racial, complementou a discussão abordando o papel do Estado na vida das comunidades. Ela destacou a importância da democracia como um espaço para garantir a participação popular nas decisões que afetam diretamente as comunidades e incentivou os mobilizadores a se engajarem nas políticas públicas. “Precisamos entender como a máquina pública funciona para que possamos influenciar as decisões e garantir que as políticas reflitam as necessidades das nossas comunidades”, afirmou Rayanne.




Durante as reflexões do grupo, Rui Leno Macedo, mobilizador da regional Negro, levantou questionamentos sobre a eficácia da democracia diante das desigualdades que persistem no país. "Será que a nossa democracia está valendo algo mesmo? Tenho fé que pela Amazônia vamos resgatar o Brasil", disse ele, expressando esperança de que a luta das comunidades amazônicas possa ter um impacto transformador diante da realidade de emergência climática imposta.


A combinação entre os conceitos apresentados por Danilo e Rayanne, com a contribuição das reflexões dos Mobilizadores reforçou a percepção dos cursistas sobre a necessidade de organização e articulação política para garantir que grupos representados por povos indígenas, quilombolas, comunidades e povos tradicionais e agricultores familiares não fiquem à margem dos processos decisórios.



Dia 2: Políticas Públicas Gerais, Política Nacional de Cuidados e Políticas de Fortalecimento para as Economias Sociobiodiversidade



O segundo dia começou com uma discussão facilitada por André Tomasi, sobre políticas públicas voltadas para serviços essenciais, como acesso à energia, saneamento básico e internet, destacando programas como o Luz para Todos e Sanear Amazônia. Os mobilizadores participaram ativamente, relatando as dificuldades enfrentadas para que essas políticas cheguem em suas regiões. 


Logo após, Simone Schaffer, coordenadora do Programa de Autonomia Econômica das Mulheres do Ministério das Mulheres, discutiu a importância de políticas que promovam a autonomia econômica para mulheres. Simone também destacou o papel da Política Nacional de Cuidados, que busca garantir que as mulheres possam gerar renda sem comprometer suas responsabilidades familiares. Esse debate promoveu uma rica discussão entre as mobilizadoras e mobilizadores presentes no encontro, com fortes relatos das mobilizadoras a respeito dos desafios que as mulheres enfrentam em suas comunidades e trabalho desenvolvido na floresta. 


Cleiciane Marques, mobilizadora regional de Amapará, destacou a necessidade de mudar a percepção sobre o papel da mulher em suas comunidades:


"Na comunidade, há uma crença de que a mulher não precisa trabalhar fora, só deve servir o marido, limpar a casa e cuidar dos filhos. Mas nós também precisamos de oportunidades." Ela reforçou que o respeito às escolhas individuais deve ser uma prioridade: "Cada mulher deve ser respeitada no que ela quer fazer. Algumas sonham em ser mães, outras não, e isso precisa ser respeitado."


Keivan Amud, diretora administrativa da Associação dos Agropecuários de Beruri (ASSOAB), do município de Beruri-AM, mobilizadora da região Centro-Sul Amazonense e Norte de Rondônia, abordou os desafios que as mulheres enfrentam para participar ativamente na cadeia produtiva da castanha-da-amazônia, mencionando a falta de abertura por parte dos homens em assembleias comunitárias e espaços de decisão. Ela explicou como a ASSOAB busca engajar mais mulheres por meio de capacitações em áreas além da coleta braçal, como artesanato e culinária.


"As referências de liderança nas comunidades são basicamente masculinas. Falta uma figura feminina que inspire as mulheres a participar. Elas têm a capacidade de gerir, tanto que já gerenciam seus próprios lares." — afirmou Keivan Hamud, destacando a necessidade de mais exemplos femininos nas lideranças comunitárias.


Políticas de Fortalecimento para as Economias Sociobiodiversidade


A tarde do segundo dia foi dedicada a discutir as políticas públicas para a castanha e as populações extrativistas, , conduzida por André Machado, ,trouxe uma visão ampla sobre as principais políticas públicas voltadas para os produtos da sociobiodiversidade. O foco da discussão foram os programas e políticas essenciais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e a Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPMBio), que visam incentivar a produção sustentável e garantir melhores condições de vida para as comunidades.


André Machado apresentou dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e discutiu as oportunidades no setor. Ele também destacou como essas políticas contribuem para superar desafios como a erradicação do trabalho infantil e as condições de trabalho análogas à escravidão dentro das cadeias de valor da sociobiodiversidade amazônica. A presença de representantes de instituições como a CONAB, com Silvio Porto, ICMBIO e do Serviço Florestal Brasileiro, trouxe uma interação rica, permitindo que os participantes tirassem dúvidas e trocassem experiências sobre a implementação dessas políticas em seus territórios​



Silvio Porto e Nayara Andreoti, da Diretoria de Política Agrícola e Informações (DIPAI) da CONAB, participaram ativamente das discussões, explicando as recentes mudanças no PAA, como a flexibilização das regras para incluir comunidades tradicionais e o uso do NIS (Número de Identificação Social) para facilitar o acesso ao programa. Silvio também abordou os desafios do PGPMBio, mencionando que o preço mínimo da castanha raramente aciona a subvenção, limitando o impacto do programa. Os mobilizadores, como Renato Pereira, mobilizador da regional Tupi- Mondé e Jailson Aguiar, mobilizador da regional Alto Solimões, contribuíram com relatos de suas experiências com o PAA, destacando a importância do programa na comercialização de produtos a preços justos para as comunidades extrativistas. 


Keli Reggias , consultora da Pacto das Águas e integrante do comitê pedagógico da formação dos Mobilizadores, destacou a importância do PAA como uma ferramenta de empoderamento para as comunidades extrativistas, com ênfase na gestão territorial e na participação das mulheres. Ela ressaltou que o programa permite trabalhar conceitos fundamentais, como produção sustentável e a valorização do território, ao mesmo tempo em que promove o protagonismo feminino nas decisões comunitárias.


"O PAA fortalece a participação das mulheres, o que é essencial para o desenvolvimento sustentável das nossas comunidades", afirmou Kelly.


Gercinho Apurinã, da Aldeia Kamicuã, no município de Boca do Acre-AM, mobilizador da regional Alto Purus, destacou a importância do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), afirmando que ele tem sido fundamental para garantir alimentos saudáveis e frescos nas escolas, promovendo tanto a nutrição das crianças quanto o fortalecimento da agricultura local. Ele reforçou que, com o PNAE, a alimentação das crianças melhorou significativamente, e agora elas consomem produtos mais saudáveis, produzidos pela própria comunidade.


Na parte final do segundo dia, Sandra Regina Afonso, do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), destacou o papel do órgão no apoio ao manejo florestal comunitário e à comercialização de produtos da Amazônia, como a castanha. Marcos, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), abordou a implementação de políticas públicas em unidades de conservação e os desafios de acesso ao Bolsa Verde e crédito rural. Márcio Menezes, da CATRAPOA/AM, ressaltou a importância da Catrapovos, cujo objetivo é garantir que as escolas em territórios indígenas e tradicionais adquiram alimentos produzidos pelas próprias comunidades. Ele destacou que isso não apenas gera renda e reduz a pobreza, mas também garante uma alimentação saudável, regionalizada e culturalmente adequada nas escolas. Além disso, Márcio sublinhou o papel do Ministério Público Federal em assegurar que a legislação que do PNAE seja cumprida, promovendo maior inclusão e valorização das comunidades tradicionais no mercado institucional.



Dia 3: Preparação para Incidência e Resgate das Tradições


O terceiro dia da formação foi marcado pela combinação de prática política, resgate cultural e reflexão estratégica, com foco na preparação dos mobilizadores para agendas de incidência política. A manhã começou com a revisão do Paneiro de Informações, uma ferramenta que reúne dados das regiões castanheiras, seguido pela análise de documentos e cartas dos Encontros Nacionais de Castanheiras e Castanheiros, o que permitiu alinhar as pautas atuais com as novas necessidades das comunidades. Esse processo preparou os mobilizadores para abordar de forma clara e coesa os órgãos governamentais e parlamentares nos dias seguintes.



A simulação de reuniões com autoridades, conduzida por Fernanda Alvarenga, foi a estratégia pedagógica dos facilitadores, para fortalecer as habilidades do grupo para situações de defesa de demandas políticas. A expressão "balangar o beiço", usada por André Tomasi, serviu como um lembrete da importância de estar preparado e articulado nas discussões. A atividade ajudou os mobilizadores a fortalecerem sua confiança e clareza ao apresentarem seus argumentos.


Na parte da tarde, a arte-educadora Luciana Meireles, conhecida como Maria das Alembranças, conduziu uma atividade de resgate das tradições orais, destacando a oralidade como uma ferramenta poderosa de articulação política. Mobilizadores compartilharam histórias de suas comunidades, conectando as tradições culturais ao fortalecimento de suas vozes nas esferas de poder.


O dia se encerrou com uma dinâmica prática de articulação política, onde os grupos discutiram e pactuaram ideias, elegendo representantes para defendê-las em uma roda central. A atividade exigiu habilidades de negociação, oratória e clareza, simulando de forma prática o processo de apresentação de demandas em ambientes políticos.




Na parte da tarde, a arte-educadora Luciana Meireles, conhecida como Maria das Alembranças, conduziu uma atividade de resgate das tradições orais, destacando a oralidade como uma ferramenta poderosa de articulação política. Mobilizadores compartilharam histórias de suas comunidades, conectando as tradições culturais ao fortalecimento de suas vozes nas esferas de poder.


O dia se encerrou com uma dinâmica prática de articulação política, onde os grupos discutiram e pactuaram ideias, elegendo representantes para defendê-las em uma roda central. A atividade exigiu habilidades de negociação, oratória e clareza, simulando de forma prática o processo de apresentação de demandas em ambientes políticos.



Dia 4: Estratégias de Incidência Política e Troca de Experiências


O último dia de formação foi dedicado ao fortalecimento e aprofundamento das estratégias de incidência política. Dione Torquato, do CNS, e Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), compartilharam suas experiências para desenvolver análises de conjuntura política e mobilizar parcerias estratégicas para fortalecer as pautas do Coletivo da Castanha. Adriana Ramos trouxe sua experiência em advocacy e incidência política no campo socioambiental, destacando a importância de engajar aliados estratégicos para avançar nas pautas das comunidades extrativistas.




Em seguida, Laura Sousa e Dominik Giusti, da Secretaria Executiva do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), compartilharam suas experiências enquanto observatório, trazendo exemplos da atuação do ÓSocioBio em diferentes contextos. Eles discutiram o perfil de quem faz a incidência política, reforçando a importância da organização política nas bases castanheiras. Laura e Dominik também enfatizaram o papel fundamental da comunicação como ferramenta de mobilização, articulação e incidência, e relembraram que a organização política já está muito presente na realidade dos castanheiros em suas organizações de base. Mateus Fernandes complementou com uma abordagem prática sobre como articular essas demandas de forma clara e objetiva, destacando a importância de conhecer os atores políticos e entender as dinâmicas de poder.




Aprendizados da Primeira Etapa do II Módulo do Formar Mobilizadores Regionais do Coletivo da Castanha


A primeira etapa de formação módulo 2º do Formar Mobilizadores Regionais do Coletivo da Castanha não só proporcionou conhecimento teórico sobre política e articulação, mas também ofereceu ferramentas práticas para os mobilizadores atuarem como protagonistas nas agendas de incidência política tanto nas esferas federais como seus municípios de origem. Com as estratégias desenhadas e um entendimento claro de como o sistema político funciona, os mobilizadores saem desse encontro mais fortalecidos para lutar por políticas públicas que realmente beneficiem suas comunidades.


Na sequência do aprendizado, foi conduzida uma agenda de incidência junto ao MDA, CONAB, MMA, ICMBio, SFB, MPI e FUNAI, além de reuniões com os deputados Airton Faleiros e Célia Xakriabá. Contaremos como foram essas incidências, com seus resultados e encaminhamentos nas próximas publicações. 


A coordenação do Formar Mobilizadores Regionais do Coletivo da Castanha é realizada pela Secretaria Executiva do OCA, com suporte metodológico do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e a participação do comitê pedagógico, que inclui membros do OCA, como o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), IMAFLORA, Pacto das Águas e WWF Brasil, além de parceiros como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, o Instituto Centro de Vida (ICV) e o Instituto IEPÉ. O Formar Mobilizadores conta com o apoio da Climate and Land Use Alliance (CLUA) e do Instituto Clima e Sociedade (ICS).